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24 dezembro 2007

Uma Carta de Boas Festas ao Povo


Querido povo, chegados a esta altura do ano, resta somente deseja-te festas felizes. Feliz Natal e Próspero Ano Novo. Estas são palavras que achei em um postal português de felicitações e como nada tenho de material para oferecer, deixo-as para ti.
São todas tuas, mesmo sabendo que passarás um natal sem pão e que entrarás para um novo ano sem esperança nem certeza.
Sinto muito porque vivemos em um país onde a verdade é um bem de luxo e anda escondida entre algumas e bem poucas pessoas. Muita pena porque quem tentar falar a verdade, neste país será conotado como membro do partido da oposição, como se a oposição fosse inconstitucional.
Desejo-te festas felizes, mesmo sabendo que terás um Natal sem salário e um Ano Novo sem justiça porque os salários e o acesso a justiça não são bens para o povo. O povo deve continuar a ter um salário mínimo que não satisfaz nem um quarto das suas necessidades, assim ele não saberá definir suas prioridades. Continuará a viver numa condição sub-humana.
O povo continuará a chorar por justiça. E ao falar de justiça, espero que entendas que ela ainda vai demorar a chegar neste país. Afinal de contas, quando certo gabinete contra a corrupção tentou provocar os tribunais foi imediatamente chicoteado porque os entendidos procuravam salvar sua própria pele? E o povo? Onde fica nisso tudo? Só observa, ele não tem direito a opinião.
Mais tarde, o tal gabinete veio mesmo a ser desmantelado. Depois vieram a luz denuncias e, muitos escritores a acusar, a defender, a opinar, a insultar, em fim, cada um a falar do que sabe, do que ouviu, do que acredita e do que acha que deve dizer.
Feliz Natal meu povo. Feliz Ano Novo também. O pior de tudo é que para o ano ainda terás um monte de cientistas que ao olharem para ti morrendo de fome vão pedir provas. Para o ano continuarás a ter cientistas que quererão que se produzam premissas que demostrem que teus filhos estão nas estatísticas da mortalidade infantil e que nunca acreditarão que a tua aldeia não tem água potável.
Então, já conseguiste comprar um rádio? Como é que pensas que vais ouvir as notícias. Bom, não estás atrasado, pelo menos não para ouvir sobre o estado da nação. No próximo ano ouvirás o que neste não ouviste, que o estado da nação é bom e que a Cahora Bassa já é nossa. Só não sei se conseguirás perceber porque é que ainda moras em trevas e continuas a pagar muito caro para manteres a luz.
Ouvirás que o estado da nação é bom, mesmo que os teus filhos estejam na décima classe e não saibam ler nem escrever, mesmo que as tuas crianças prefiram a rua que a casa, e mesmo que a prostituição seja agora uma das melhores alternativas para que as tuas filhas possam sustentar a família. E mesmo assim, continuarás a ter cientistas que continuarão a rotular-nos de retardados, ignorantes e alto-falantes de presidentes de partidos políticos na oposição.
Desejo-te Festas Felizes meu povo. Procure consolar-te no que podes. Consola-te em qualquer coisa, qualquer ideia ou qualquer crença, porque este teu país continuará nas mãos de certa elite, um clube de amigos e de familiares. Tu que és Zé ninguém e com o pé rapado continuarás a pagar os impostos e cada vez mais excluído da riqueza, porque tudo tem um dono. O pior de tudo é que haverá cientistas que te desafiarão a provar que tudo que digo tem uma dose de verdade. Não te preocupes, Jesus já tinha respondido a esse paradoxo: o que foi escondido aos sábios foi revelado as crianças e aos que ainda mamam. O povo consegue ver onde os cientistas não conseguem. Afinal de contas aquele que fala sabe o que sente.
Nesta altura te pedirei somente que não te preocupes com assuntos difíceis, não percas tempo a querer compreender porque é que o Presidente da República manda plantar jatropha onde devias plantar milho, mapira, mandioca ou bata doce. Não percas tempo a querer perceber o que é revolução verde, alguns músicos desta canção ainda nem percebem a sua letra. Não invistas tempo também a procurar saber porque o ministério da agricultura em três ano teve três ministros e o que agora é já foi povo.
Não procures perceber o que são eleições provinciais, parece que ninguém mesmo sabe o que são. Há vezes em que penso que se calhar uma pessoa invisível está a dirigir este país, na verdade são tantas as perguntas sem respostas, são tantos os absurdos que não se percebe de onde eles vêem.
Peço-te que não perguntes porque compraram transportes públicos demasiadamente luxuosos para a nossa realidade? Não te perguntes porquê há sempre enchentes a noite nas paragens de chapas. Não procures saber porque é que a política de transportes públicos deve ser confiada na sua maioria aos chapeiros. Suportas os chapas na estrada?
Te pedirei também que não invistas tempo a querer perceber porque é que em vez de informação só te dão novelas e músicas que exaltam sexo, ócio, riqueza, beleza e nunca o trabalho, a fraternidade, a união e a humildade. Não procures perceber isso, só te roubará tempo.
Evite também ser enganado pelos oportunistas, todos pensam que o povo é burro, é inconsequente e não tem direcção. Mostra que és um povo consciente e que a tua maneira sabes fazer valer os teus ideais. Não te esqueças que mesmo sendo o último na fila, tu é que dás poder a quem está em cima, por isso procure saber usar muito bem o teu direito a voto.
Não te deixes levar pelo discurso segundo o qual a criminalidade reduziu ou está controlada. Afinal de contas, quase ninguém pára para pensar na pessoa do criminoso. Tu que és povo conheces muito bem quem é o criminoso. Ele é teu filho, teu sobrinho, teu irmão teu amigo, produto da exclusão social, alguém que é criado na rua, lava os carros, ganha uns trocos, cresce e quer tomar seu protagonismo.
Quero que tenhas festas felizes e saibas que fazer justiça com tuas próprias mãos não vai resolver o problema. É verdade que o Estado já falhou na sua política de segurança pública, embora haja alguém que ainda queira que apresentemos provas, mas só a ele como Estado, cabe fazer a justiça. Mesmo que o procurador não pronuncie aqueles que tu apresentas como criminosos, não adianta matá-los, insista com os órgãos do Estado porque água mole, em pedra dura tanto bate que chega a furar.
Feliz Natal e próspero Ano Novo meu povo. Confio em ti e estou certo de que conseguirás sobreviver este momento difícil da vida sem pão e sem esperança. Tu já sobreviveste ao muito, ao mais difícil e ao mais pesado, por isso mesmo que acredito que sobreviverás.
Ora bem, para não encher-te de palavras e palavras, vou ter que fechar esta carta. Tu precisas de tempo para reflectir sobre a tua vida, assim como eu preciso de tempo para pensar como fazer te chegar esta carta, já que não usas internet nem tens uma caixa postal.
E mesmo assim: FELIZ NATAL E PROSPERO ANO NOVO!

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