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14 abril 2006

Os bebedores de cerveja

Os bebedores de cerveja da Baviera consultavam dia a dia a tabela de câmbios, calculando se a desvalorização da coroa lhes permitiria beber cinco ou seis ou dez litros de cerveja na região de Salzburgo pelo preço que em casa teriam de pagar por um só litro. Não era possível imaginar uma tentação mais irresistível; e bandos de habitantes provenientes das localidades vizinhas de Freílassing e de Reichenhall, na companhia de mulheres e filhos, acorreram até cá, para se entregarem ao luxo de emborcar tanta cerveja quanta o estômago pudesse comportar. Todas as noites a estação exibia um autêntico pandemónio de hordas humanas embriagadas, vozeando, arrotando, cuspindo; muitos, que se haviam excedido, tinham de ser levados até às carruagens em carros que serviam habitualmente para o transporte de malas, e só nessa altura o comboio, ressoando com gritarias e cantorias báquicas, fazia a viagem de regresso ao seu país. Na verdade, os bávaros folgazões nem suspeitavam que uma vingança terrível os esperava, pois assim que a coroa estabilizou e o marco, pelo contrário, sofreu uma queda de proporções astronómicas, foram os austríacos que partiram daquela mesma estação para, por seu lado, irem embebedar-se do lado de lá a baixo preço. E o mesmo espectáculo aconteceu segunda vez, agora na direcção contrária. Esta guerra da cerveja, no meio de duas inflações, faz parte das lembranças mais singulares que me ficaram, porque, na sua grotesca plasticidade, mostra claramente em pequena escala todo o desvario daqueles anos.

Stefan Zweig in O Mundo de Ontem, Recordações de um Europeu

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