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05 abril 2006

NOVO AMOR


Um novo amor desorganiza-nos. Não se acredita no que está vivendo para se acreditar mais. A reação inicial é a da incredulidade: ele não gosta de mim, é só amizade, não estamos juntos. Mas dentro ressoa o contrário: ele gosta de mim, é mais do que amizade, já estamos juntos. Os pensamentos brincam de esconde-esconde. Esconder o que se sente para os próximos, mas mostrar para si o que se conquistou. Jogo de convencimento, devagar e sensível. Logo vem a covardia: seremos enganados, não dará certo. Em seguida, a coragem revida: ele é sincero, dará certo.

Somos nossos piores amigos, nossos melhores conselheiros. É uma insegurança tensa: Será que ele está pensando em mim? Será que ele me deseja a ponto de não fazer outra coisa? Não se admite experimentar sozinho o estado de paixão. Há uma gana pela cumplicidade. Não se entra na briga sem a recompensa de se descobrir acompanhada.

A comparação torna-se inevitável. Em algum momento, deve ter deixado claro que me ama e se busca a confirmação. Revisam-se as cartas, as mensagens, os recados. Mas não há clareza no amor, tudo é falado com ambiguidade. Não se arriscam certezas. As certezas são duras e frias. As certezas agridem. O que ele escreveu pode significar ternura. Não significa que está a fim. Aí vem o nervosismo até o próximo encontro, em que será possível identificar sua intenção. Mas nenhum encontro futuro vai assegurar o amor. A convivência não esgota o desconhecido.

São refeitas as contas, muda-se o método de enumerar e não se chega a nenhuma conclusão. Resta o mesmo resultado, a mesma indefinição infantil: Ele me ama ou não me ama? A impressão é que emburrecemos progressivamente: nada presta ou nos prende. Esquece-se o vocabulário. Pioramos o raciocínio desde que se tentou definir o amor. Já estamos sofrendo antes mesmo de amar.


Fazemos de conta que ele não existe para se surpreender depois. Fingimos que ele não entrou em nossa vida para suspirar com sua aparição. Guardamos sua foto no nosso quarto, voamos para sala e não aguentamos, voltamos para vê-la de novo, para confrontá-la com nossa imaginação.

Adaptado do Fabrício

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