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27 março 2006

O CANALHA

O amor é sacana. Ninguém está imune. Ninguém confere certidão de casamento, de nascimento ou de óbito para se envolver. Vai virar o rosto para os compromissos. Não queremos nos apaixonar e nos apaixonamos. O cara não presta e seguimos em frente. Vimos que ela é interesseira e fechamos os ouvidos. Contrariamos os próprios conselhos porque o amor é sacana. Contrariamos as crenças porque o amor é sacana. O amor abre até as portas deitadas.

Acredito que existe o conto de fadas do canalha, versão adulta e pornô do Patinho Feio. A mulher percebe que o sujeito não é flor que se cheire, fala para todo mundo da aversão ao comportamento dele, um tanto machista e presunçoso. Nota que sai com diversas mulheres, uma em cada noite. É o típico homem que sofre da infidelidade congênita. O que ela faz? Era de se esperar que mantivesse distância. Entretanto, ela se apaixona. Não há vacina ao desejo, talvez o único remédio que o neutralize, mesmo que não cure completamente, são as pantufas. Pantufas grandes e hirsutas, histéricas e velhas, afugentam a sensualidade. É o contraponto ao excitante salto alto.

A mulher bebe do veneno para apressar a cura. É tomada de uma fúria santa, doida, inexplicável pelo canalha. A hostilidade atrai, inquieta, desestabiliza. Não, ela não deseja o canalha, é capaz de desejá-lo durante uns dias, pela vida inteira não. Aspira à conversão. Assume um misticismo sexual. Calcula uma saída à geometria de músculos e fúria, como se ele fosse um cavalo selvagem a ser contido pela sela. Confia que será diferente com ela.

Ela salvará o canalha. Ele foi canalha porque não a conheceu antes. Canalha Antes de Cristo. Já cogita casamento e filhos, uma casa com pátio ou um apartamento com varanda. Aposta alto com as armas que dispõe, o ciúme e a posse. Bate ainda um orgulho competitivo de mostrar às ex do canalha que conseguiu corrigi-lo. Só mulher entende esse duelo de memórias, essa vingança velada e implícita.

O canalha tampouco ambiciona ser viúvo de seus vícios. Espera receber alta, pode não conseguir, pode tentar e fracassar. Dorme pouco para não perder a chegada da paz de manhã. Espera uma paixão redentora para reaver a adolescência e voltar a sentir o tremor das pernas. Anseia superar a indiferença que o impele a dispensar as mulheres e abreviar os relacionamentos. Aguarda ter novamente a insegurança das palavras, o risco de ser magoado e magoar. O canalha está cansado de sua reputação, do esforço para manter a fama de cafajeste, da rotina de não se importar.

É difícil, é raro, duro de suportar, mas o maior amor, o amor mais leal e puro, pode vir de um canalha arrependido.

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