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27 agosto 2008

Canalha

É um defeito, mas nada mais delicioso do que ouvir de uma mulher: "CANALHA!"

Ser chamado de "canalha" por uma voz feminina é o domingo da língua portuguesa. O som rebola redondo. Os lábios da palavra são carnudos. Vontade de morder com os ouvidos. Aproximar-se da porta e apanhar a respiração do quarto pela fechadura.

Canalha, definitivo como um estampido, como um tapa. Não ser chamado de canalha pela maldade, mas por mérito da malícia, como virtude da insinuação, pelo atrevimento sugestivo. Não o canalha canalha, mas o ca-na-lha, sem repetição. Único. Irrepetível. Não o canalha que deixa a mulher, o canalha que permanece junto, dela. O canalha adorável que ultrapassou o sinal vermelho para levá-la. O canalha que é rude, nunca por falta de educação, para acentuar a violência do amor. Canalha por opção, não devido a uma infelicidade e limitação intelectual. Canalha em nome da inteligência do corpo.

O canalha. Como um elogio. Um elogio para dizer que é impossível domesticar esse homem, é impossível conter, é impossível fugir dele. Canalha como pós-graduação do "sem-vergonha".

Bem diferente de crápula, que não é sensual e define o mau-carácter indelével, ou do cafajeste, alguém que não presta nem para ser canalha, de índole egoísta e aproveitadora.

Eu me arrepio ao ouvir canalha. Um canalha que significa o contrário do dicionário. Nem percam tempo em consultar o Camões, porque não inclui o sentimento da pronúncia. Estou falando do canalha que suscita aproximação, abraço, desejo. Um canalha que é um pedido de casamento entre as vogais.

É pelas expressões que se define a segurança masculina. Sempre duvidei dos homens que dizem que vão fazer xixi. Xixi é coisa de criança. Eu não represo a gargalhada quando um amigo adulto e de vida feita diz que vai fazer xixi. Imagino o cara sentado. Infantil, como Ivo viu a uva. Já urinar é muito laboratorial. Prefiro mijar, directo, rápido e verdadeiro. As árvores mijam. Os relâmpagos mijam. Os cachorros mijam para demarcar seu território. Aliás, o correto é não anunciar, ir ao banheiro apenas, para evitar constrangimentos vocabulares.

Canalha funciona como uma agressão íntima. Uma agressão afectuosa. Uma provocação. Não é uma conclusão, é uma pergunta. Canalha é uma interrogação gostosa.

Não ficarei triste, aborrecido ou fo-di-do, propriamente dito, se esquecerem meu nome, chamem-me de canalha.

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